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Suas flechas não atingem o alvo”, observou o mestre, “porque espiritualmente não percorrem grandes distâncias. Comportem-se como se o alvo estivesse a uma distância infinita. Para nós, mestres-arqueiros, é um fato conhecido e comprovado pela experiência cotidiana que um bom arqueiro, com um arco de potência média, é capaz de um tiro mais longo do que um outro, empunhando um arco mais potente, mas carente de espiritualidade. Logo, o tiro não depende do arco, mas da presença de espírito, da vivacidade e da atenção com que é manejado. Mas, para desencadear uma maior tensão nessa vigília espiritual, os senhores devem executar a cerimônia de 66 maneira diferente da que vem sendo feita até agora, mais ou menos como dança um verdadeiro dançarino. Assim o fazendo, os movimentos dos seus membros partirão daquele centro do qual surge a verdadeira respiração. Então, a cerimônia, ao invés de desenvolver-se como uma coisa aprendida de cor, parecerá criada segundo a inspiração do momento, de tal maneira que dança e dançarino sejam uma única e mesma coisa. Se os senhores se entregarem à cerimônia como se se tratasse de uma dança ritual, sua lucidez espiritual atingirá o ponto máximo.”

trecho editado de registro

de  Julia Limaverde.

porque eu não sou um homem, nem um poeta, nem uma folha,mas um pulso ferido que sonda as coisas do outro lado. 

 

F. G. Lorca

 

 

 

Não durmas, senta com teus pares

A escuridão oculta a água da vida.

Não te apresses, vasculha o escuro.

Os viajantes noturnos estão plenos de luz;

não te afastes pois da companhia de teus pares.

 

 

Faltam-te pés para viajar?

Viaja dentro de ti mesmo, e reflete, como a mina de rubis, os raios de sol para fora de ti.

A viagem conduzirá a teu ser,

transmutará teu pó em ouro puro.

 

 

Sofreste em excesso por tua ignorância, 

carregaste teus trapos para um lado e para outro,

agora fica aqui.

 

Na verdade, somos uma só alma, tu e eu.

Nos mostramos e nos escondemos tu em mim, eu em ti.

Eis aqui o sentido profundo de minha relação contigo,

Porque não existe, entre tu e eu, nem eu, nem tu.

 

 

Oh, dia, levanta! Os átomos dançam,

As almas, loucas de êxtase dançam.

A abóbada celeste, por causa deste Ser, dança,

Ao ouvido te direi aonde a leva sua dança

 

Rumi

 

"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos docesEstendendo-me os braços, e seguros

De que seria bom que eu os ouvisse

Quando me dizem: vem por aqui! 

Eu olho-os com olhos lassos,

(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)

E cruzo os braços,

E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:

Criar desumanidades!

Não acompanhar ninguém.

— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade

Com que rasguei o ventre à minha mãe

Não, não vou por aí! Só vou por onde

Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde

Por que me repetis: "vem por aqui!"?

 

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,

Redemoinhar aos ventos,

Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,

A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi

Só para desflorar florestas virgens,

E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!

O mais que faço não vale nada.

 

Como, pois, sereis vós

Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem

Para eu derrubar os meus obstáculos?

Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,

E vós amais o que é fácil!

Eu amo o Longe e a Miragem,

Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

 

Ide!

Tendes estradas,

Tendes jardins, tendes canteiros,

Tendes pátria, tendes tetos,

E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...

Eu tenho a minha Loucura!

Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,

E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!

Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;Mas eu, que nunca principio nem acabo,Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

 

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,Ninguém me peça definições!

Ninguém me diga: "vem por aqui"!

A minha vida é um vendaval que se soltou,

É uma onda que se alevantou,É um átomo a mais que se animou...Não sei por onde vou,Não sei para onde vouSei que não vou por aí!                                                                                                  

 

Cantico Negro  -  José Régio

 

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